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Friday, October 24, 2003

A Fotografia

Artur aponta a sua máquina digital na direcção de Eva, ela sorri, um sorriso franco, mas ao mesmo tempo, esconde a cara embaraçada. Sente-se vigiada, ali no café por todas aquelas faces conhecidas da vida mundana e tapa os olhos. Porque será que os olhos são os primeiros órgãos que se escondem quando não queremos ser fotografados? Será por serem o espelho da alma ou não queremos revelar o nosso estado de espírito? Não se quer mostrar a falta de alegria, a falta de brilho de vida, o contentamento de se estar vivo, de existir.
A felicidade é efémera e a tristeza uma constante. As palavras podem mentir, mas se exceptuarmos a boca, o corpo não mente. É demasiado honesto, especialmente os olhos. Daí provêm a reacção instintiva de tapar os olhos, a tentativa de se ocultar o que se sente. As palavras são uma máscara que se usa. Um meio de comunicação refinado pelo Homem, uma evolução que se esqueceu da linguagem instintiva do corpo.
Artur percebe que apesar da aparente felicidade que dela emana, seus olhos revelam tristeza, algo que ela tenta esconder, pois sabe que assim que a imagem ficar retida para sempre naquele pequeno visor, ele se aperceberá.
O que é uma fotografia? Uma tentativa falhada de imortalizar alguém. É um fracasso, porque uma pessoa é mais do que o que é capturado. O que se capta é um momento apenas, um milésimo de segundo que fica gravado para sempre, com um sorriso forçado e que não nos revela. A fotografia não ri, não chora, não pisca os olhos, não sente, não pensa. Numa fotografia, não somos nós que aparecemos, apenas o invólucro porque a máquina é incapaz de captar a alma de uma pessoa. E se já por si mesma é incapaz de captar a essência de uma pessoa, qual a necessidade instintiva de tapar a face rosada de embaraço?
Como foi dito, a felicidade é passageira e esta está a chegar ao fim da sua viagem. Eva sente isso e tenta adiar ao máximo. Teme que a fotografia apresse o curso normal do destino, então rejeita ser fotografada.
Artur também se apercebe que esta relação terá de terminar, embora isso não seja o seu desejo e então sorri. Ficam ambos assim. Durante longos instantes. Neste silêncio confortável. Um silêncio que ambos prezam, não existe a necessidade de palavras, que poderiam estragar este momento. Ele estende a mão e acaricia-lhe a face. Ela sorri ainda mais, fecha os olhos e desvia a cara beijando-lhe a mão.


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